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Opinião: O preço da vida

Quanto vale uma vida? Há quem arrisque responder a essa pergunta, partindo tão somente de uma visão economicista do mundo. Tudo são cifras, uma versão atualizada, mas não correspondente, a de Pitágoras, quando disse que tudo são números.


Vivemos um momento tenebroso em que a realidade dura e cruel, sob todos os aspectos, da pandemia, tem ceifado pessoas do seu convívio, do aconchego de seu lar, do seu trabalho, do seu amor, de sua família.


Parece que nos acostumamos a ver, ouvir e, o que é pior, a aceitar, como normal, cada atualização numérica da quantidade de vítimas que a Covid alcança, a cada instante, no nosso país e no mundo todo.


Essa “anestesia” mental é também uma defesa (que cruel isso!), para podermos seguir adiante na vida, fechando os olhos e tapando os ouvidos para a realidade que nos espreita. É como ver uma cena de fome e de miséria absoluta, de nossos irmãos africanos, e reconhecer que é triste sim, mas como é distante, não é em nosso país, “não me importo”, “sou impotente”, como se a distância diminuísse o valor do ser humano que, igualmente, pena e sofre.


E o que dizer dos que passam fome aqui mesmo, ao nosso redor, “ao redor de nossas mesas”? Neste caso, a “desculpa” da distância não resolve.


Então, quanto vale uma vida? Pergunta difícil, mas podemos dizer que a vida não tem preço, seu valor é imensurável, sua singularidade a torna única e irreprisável, de modo que cada um e cada uma são absolutamente preciosos. Infelizmente, todavia, não é assim que temos visto acontecer.


Um filme a que assistimos, recentemente, chamado de “Circle”, narra uma circunstância em que cinquenta pessoas desconhecidas, e de diferentes estratos sociais e culturais, acordam, sem explicação, posicionadas numa sala, sobre um círculo luminoso. Bem no centro, há um aparelho que, de instante em instante, mira para a próxima pessoa que irá morrer. Portanto, aquelas pessoas confinadas entendem que a próxima vítima é escolhida por votação, o que deflagra um enorme jogo de argumentos, preconceitos e interesses, tudo no intuito do convencimento de quem será o escolhido, a cada momento.


Na trama, bem assemelhada a um laboratório de comportamento, verifica-se debates sobre idade, preferências sexuais, papel da família, doenças, trabalhos, profissão, dentre outros elementos que serão, no desenvolver das cenas, levados em conta para as decisões a serem tomadas.


Nesse breve contexto, estão presentes exatamente os mesmos dramas recolhidos da vida humana, que levam a uma pessoa ser julgada melhor do que outra. A profissão que vale mais, a conta bancária maior, o jovem, por ainda, em tese, ter um futuro pela frente, ser preferido a um idoso, porque este já viveu muito e “deu o que tinha que dar”, dentre outros pontos bem conhecidos que vêm à lume nas discussões.


O utilitarismo propõe a felicidade como critério único de moralidade e suas ações são medidas mais (ou unicamente) pelas consequências do que pelo que são ou valem em si, é o que defende o consequencialismo, um desdobramento dessa corrente. Jeremy Bentham diz que “as ações moralmente corretas são as que possibilitam a felicidade de muitas pessoas”


O desprezo pelo valor imanente do ser humano é por demais perigoso e pode conduzir a caminhos tenebrosos da relativização da vida e da dignidade da pessoa. O critério da distinção deve aparecer, quando necessário e tópico, fundamentado em suportes de racionalidade que justifiquem o discrímen, foi o que ocorreu no evento da vacinação, ora em andamento, na determinação de quem vai primeiro ser imunizado, idosos, grupos de comorbidade, tudo em função da fragilidade e risco dessas pessoas, diante da doença global que se enfrenta.


Todos almejamos a felicidade, é certo, mas o valor da vida precede aos objetivos que se perseguem e a elas são correlatos de consequência ou de construção. Respeitar o outro é a pedra de toque e a regra de ouro absolutamente fundamental para reconhecer no outro, seu valor, sua história e sua liberdade, como realidades a serem incondicionalmente consideradas, neste aspecto da eticidade e do convívio social harmônico.


Reconhecer, portanto, que cada vida importa e que cada pessoa tem um valor em si mesma, independentemente de suas condições e, como se diz na filosofia platônica, de seus acidentes que a tornam únicas no mundo sensível. É o que importa.




Moaceny Félix é Advogado, Procurador Federal e Professor














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