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Opinião: "Irene Preta"

Tenho uma relação afetuosa com o poeta Manoel Bandeira não só porque sua leitura era obrigatória nos bancos escolares de minha infância. Nas aulas de português líamos vários autores e tínhamos que recitá-los em sala, muitas vezes envergonhados, diante dos colegas, tentando superar a timidez e o medo.


Uma vez deparei-me com um poema de Manoel Bandeira que acreditei ter sido feito sob encomenda para minha mãe. – “A cara da minha mãe”, pensei. Por acaso não era este o nome da minha mãe: Irene? No aniversário dela, eu, ainda uma criança, por volta dos 10 anos, acordei cedo e meu parabéns foi acompanhado dos versos do poema Irene no Céu:


Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor.


Imagino Irene entrando no céu:

— Licença, meu branco!

E São Pedro bonachão:

— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.


Lógico que minha mãe ficou muito feliz e me abraçou agradecida. No meu imaginário de criança me reconfortava saber que minha mãe não precisaria pedir licença para entrar no céu. Até hoje, quando quero emocioná-la, no seu aniversário, volto a ser aquela criança e recito para ela o poema de Manoel Bandeira. Minha mãe chora, emocionada, na certeza de que um dia, merecidamente, ganhará o céu.


Depois, com a chegada da consciência, percebi uma outra faceta desse poema: o retrato da mulher subserviente, que alcançaria o céu se fosse boazinha, resiliente e mantivesse sempre o bom humor. Essa é a minha mãe, mulher, preta, nordestina, imigrante que teve de sair de sua terra natal para ser empregada em “casa de família” no Rio de Janeiro. Depois, casou-se, teve cinco filhos, um atrás do outro, dois no mesmo ano, não podia trabalhar fora, mas encontrava tempo para arrumar a casa, lavar, passar, cozinhar, cuidar dos cinco filhos, fazer bolos, bordados e costurar para ganhar um dinheirinho que ajudava nas despesas de casa.


Hoje, minha mãe, aos 81 anos, com sua sabedoria, nos aconselha e está atenta ao que acontece no mundo e em nosso país, em particular. Sabe a desgraça e o mal que este presidente genocida está fazendo contra nosso povo e nosso país. Não se revolta porque não aprendeu a revoltar-se, reza para que tudo isso um dia passe. Orienta seus filhos e netos a se protegerem, usarem máscara, álcool em gel, evitar aglomerações. Há pouco tempo recebeu a primeira dose da vacina e saiu feliz. Quer ter forças e estar viva para votar contra este presidente nas próximas eleições.


Neste 8 de março de 2021, em nome de minha mãe, Maria Irene, quero saudar e homenagear a todas a mulheres que lutam todos os dias. Todas as Irenes, Marias, Marielles, Bárbaras, Joanas, Argentinas, Socorros, Nazarés, Lourdes, Anitas, Olgas, Hannas, muitas e muitas mulheres que amam, lutam todos os dias e são imprescindíveis.




Hebert Lima

Cientista Social, Historiador,

Especialista em Gestão e Políticas Públicas, Integrante do Núcleo Américo Barreira.




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