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Mundo: Da igualdade a segregação: POR QUE A PRAÇA ESVAZIOU?

Já diria Milton Santos, geógrafo brasileiro, que as cidades são organismos vivos, que mudam diariamente devido ao modo o cidadão se relaciona com ela.


Nós somos os culpados por revolucionar nossas cidades, nossos espaços urbanos. Dar novas funções para velhos lugares, que se renovam, renovando assim a nós mesmos e a nossa realidade.

Temos nas nossas cidades os espaços públicos formalmente constituídos, que podem ser os parques, as praças e as ruas. As ruas podem ser classificadas como a corrente sanguínea da cidade. Pelas ruas não circulam apenas pessoas, mas ideias e expressões culturais. Já diria Lamas, que: “A rua relaciona-se diretamente com a formação e o crescimento da cidade, de modo hierarquizado, em função da importância funcional da deslocação, do percurso e da mobilidade de bens e ideias.” Talvez, quando você era mais novo, estivesse acostumado a ver a rua como uma extensão da sua casa. Brincar na rua com os vizinhos era algo muito normal na vida de muitos de nós.



Essa já pode ser classificada como a sua primeira apropriação de um espaço público. Você já fez parte dos indivíduos que ocuparam um espaço e o transformaram em algo diferente. Você já pode ter feito da rua da sua casa, um “traçado transformador”, que fez suas ideias se espalharem por todo o corpo da cidade.


Se sua mãe não o deixou brincar na rua, talvez tenha te levado para brincar na pracinha! Segundo Lamas, se a rua é “lugar de circulação”, a praça é um: “Lugar intencional de encontro, da permanência dos acontecimentos, de práticas sociais, de manifestação da vida urbana e comunitária e de prestigio, e, consequentemente, de funções estruturantes e arquiteturas significativas”.


A praça é marcada como um lugar de troca de informações, a nossa mais antiga rede social, o equivalente a ágora. Uma esfera pública na urbanística grega, um espaço público por excelência, onde os gregos se reuniam para discutir política e cultura – aposto que para fofocar também.


A ágora era tida como um local onde todos tinham voz, sem nenhuma distinção, um símbolo de democracia direta. Na nossa pracinha, onde as senhoras tricotavam, as mães conversavam, as crianças corriam e os jovens flertavam, a ideia era mais ou menos essa. Um lugar de convivência democrática onde os grupos lidavam com suas diferenças e semelhanças, trocando experiências e discutindo.



E quando isso mudou?


De acordo com Bresciani, a preocupação moderna com a estetização dos espaços urbanos é algo que inflama no século XIX, o que acaba contribuindo para mudar os hábitos sociais nas cidades europeias.

Além de um desejo de melhorar a infraestrutura das cidades, surge também um projeto de maior intervenção nos espaços públicos como forma de diminuir os impactos da industrialização, que não colaborava muito com a estética urbana.


A inserção de parques e praças foi a forma encontrada para embelezar as cidades, favorecendo apropriações que até o momento, jamais haviam acontecido. A partir do momento que esses locais são inseridos nos caminhos dos indivíduos, a sua relação com a cidade acaba sofrendo uma transformação. Inicialmente, esses locais haviam sido pensados para atender as necessidades de satisfação das elites.


Mas com o crescimento dos direitos trabalhistas e a redução da jornada de trabalho nas indústrias, os trabalhadores encontraram um espaço vago em seus dias para frequentarem os belos locais. Esse fato acaba popularizando a apropriação das praças durante o século XX.


A construção de locais de lazer a céu aberto acabou se tornando uma das reinvindicações da população das cidades durante os muitos anos que se passaram. Esse fato ajudou no melhoramento dos meios de transportes coletivos, já que os trabalhadores das regiões metropolitanas precisavam se locomover até o centro para aproveitar esses espaços.


Mas a partir desse momento já surge o primeiro obstáculo para as populações mais carentes que queriam participar das atividades nas cidades, segundo a arquiteta Eneida Mendonça: “outros fatores contribuem para minimizar a restringir a apropriação [dos espaços públicos], ao considerar-se a ineficiência logística e o elevado custo do transporte coletivo para a maioria da população urbana no Brasil e na América Latina.” E a partir daí foi dada a largada no processo de esvaziamento dos centros das cidades, e dos locais de lazer abertos a toda população.


A aglomeração de pessoas acabou se tornando sinônimo de conflitos de grupos e violência.



Vamos para a shopping?


A partir do momento em que o medo e a violência acabam sendo relacionados aos espaços públicos, a população acabou migrando para locais ditos mais “seguros”, os lugares fechados e com vigilância constante.


De acordo com Mendonça:

“A proliferação de diversões em ambientes fechado e controlados por aparato de segurança e consequentemente seletos e excludentes vem alterando costumes, repercutindo em mudanças nas relações sociais relacionadas ao espaço público.”

Após um estudo realizado em grandes cidades, entre as décadas de 80 e 90, a antropóloga Teresa Caldeira acabou descobrindo que “diferentes grupos sociais, especialmente os de classes mais altas, têm usado o medo da violência e do crime para justificar tanto as tecnologias de exclusão social, quanto a sua retirada dos bairros tradicionais das grandes cidades”.

Pode-se assim dizer que as elites, como indivíduos que, assim como nós, tem o poder de alterar suas cidades, vêm reconfigurando a segregação espacial dos espaços urbanos. Esse fator acabou gerando novos modos de discriminação, como a privatização da segurança e a reclusão de alguns grupos sociais.


Esse novo modelo de segregação, acaba transformando o modo como as pessoas se relacionam nas cidades. Agora, a referência de lazer urbano é a o shopping, ou o clube, espaços monitorados por câmeras 24 horas por dia, locais nos quais o individuo paga para entrar. Eventos a céu aberto acabaram afastando as pessoas devido a essa cultura do medo, que prega que, em eventos em praça pública, ou nas ruas, geralmente gratuitos, acabam sendo tomados por confusão e caos.


Um exemplo bem recente dessa segregação nas cidades foi o fenômeno “rolezinho”, ocorrido em 2014. Durante os rolezinhos, geralmente marcados em redes sociais online, jovens das periferias combinavam encontros em ambientes que “culturalmente” são frequentados por pessoas de classe alta. Nesse caso os shoppings foram o alvo.


Ver centenas de jovens que se comportavam de forma diferente e, usavam roupas fora do padrão estabelecido, entrando nos shoppings de várias cidades no Brasil gerou uma discussão generalizada sobre “o que aquelas pessoas estavam fazendo naqueles lugares?” Muito se comentou sobre como aquilo poderia ser considerado um ato de vandalismo, ou sobre como parecia uma forma de protesto diante a desigualdade social.


Mas na verdade o que ficou do movimento, foi essa constatação de como esse novo meio urbano “reforça e valoriza a desigualdade e a separação e é, portanto, um espaço público não democrático e não moderno” (Caldeira), contrariando aquele ideal de espaços públicos de convivência e interação.


Voltar para a praça?


Cabe a nos, seres que caminham pelas ruas das cidades, que fazem as ideias circularem e que alimentamos os espaços onde vivemos, fazer essa realidade de desigualdade e segregação chegar ao fim. Esta em nossas mãos criar novas representações para locais que até o momento acabaram ficando de lado, marginalizados como lugares de pessoas perigosas, lugares de violência.


A história das cidades não pode mais ser pensada para atender a uma elite, ou a um grupo seleto de indivíduos, pois deve abrigar a diversidade complexa de pessoas. Os espaços devem ser pensados para serem compartilhado por todos e não só por alguns, e isso esta nas mãos da população, o único ser que é capaz de alterar a os significados das cidades.


Caminhando hoje, já podemos ver algumas iniciativas que pretendem revitalizar os espaços urbanos, dando novos sentidos para a sua existência, e isso vem causando um burburinho entre os grupos que se apropriam dos espaços, os poderes públicos e a população em geral, mas isso é assunto para a parte dois desse texto. Até breve!



Referências:


SANTOS, Milton. Memória e modernidade, In: O país distorcido

CALDEIRA, Teresa. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo.

LAMAS, J. M. R. G. Morfologia urbana e desenho da cidade.

BRESCIANI, M. S. As sete portas da cidade. Espaços e Debates.

MENDONÇA, Eneida. Apropriação dos espaços públicos: alguns conceitos.



Fonte Obvius



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