Mente e Corpo: Netflix e o 3º Mandamento
- ocarcaranews
- 21 de set. de 2021
- 6 min de leitura
3º "Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão." Êxodo. Capítulo, 20 Versículo, 7
Poderia o novo o documentário disponível na Netflix - João de Deus: Cura e Crime (2021) ter trazido algo novo ou relevante que o documentário da Globoplay - Em nome de Deus (2020) não teria contemplado?
A promessa da Netflix era que este novo lançamento fosse tão impactante quanto o documentário Wild Wild Country (2018) que narra como Bhagwan Shree Rajneesh – hoje conhecido por Osho – teve entre os anos 1980 e 1985 uma comunidade nos Estados Unidos. Por isto, as comparações são inevitáveis – atenção: alerta de spoilers.
Em comum as duas histórias tratam homens ‘espiritualizados’ que escolheram uma cidade para chamar de sua, para que pessoas viesse desfrutar dos ‘tratamentos’, que fossem adorados em seus tronos, almejando fama/fortuna, assim como ambas as histórias têm um forte componente sexual. Porém, de maneira diferente, ambos tiveram seus planos interrompidos quando mulheres rompem o silêncio.
Bhagwan/Osho, se auto conclamou como iluminado – assim como Buda – aos 21 anos. Formado em Filosofia, somente em 1974 consegue recursos para abrir sua comunidade em Pune na Índia. Devido as denúncias de sonegação de impostos, problemas com a imigração e de tráfico de ouro, pediu aos seus seguidores que o ajudassem a levar sua comunidade para outro lugar. Fora escolhido uma fazenda de 26000 hectares aos arredores da cidade Antilope (600 habitantes a época) no condado de Wasco no Oregon, Estados Unidos.
A mudança para o rancho trouxe consigo uma disputa que se arrastou por anos. De um lado os moradores americanos conservadores, escolheram aquele lugar para viver em paz e harmonia na sua velhice. Do outro uma comunidade barulhenta e adepta de uma vida com incentivada liberdade sexual, festas, bebidas, música e muitas risadas. Sentindo-se atacados, os moradores moveram uma ação judicial conjunta, alegando que aquelas terras eram para fins agrícolas, o que ganhou o apoio de um filho ilustre da região, o dono/fundador da Nike, Bill Bowerman.
Em contrapartida, rancho direcionava de madrugada uma iluminação roxa sobre as casas dos moradores idosos para assustá-los e intimidá-los psicologicamente. Assim como, mantinham vigiadas a estradas da cidade que davam aceso ao rancho com viaturas particulares fortemente armada – este documentário conta com imagens de arquivo. Quando os rajneeshys (assim como se chamavam) compraram a maioria das casas e terrenos em Antilope, ocuparam a maioria cargos no Conselho Municipal, mudando o nome da cidade para Rajneeshpuram.
Ma Anand Sheela, veio da Índia com Bhagwan/Osho, como sua secretária particular e porta-voz, porém atuava como uma espécie de Primeira-Ministra no Rancho Rajneesh, dado que seu mestre optou pelo silêncio, tendo reuniões diárias somente com ela.
Após quase quatro anos sendo a pessoa que enfrentou intensos debates com conservadores na televisão americana e administrando o império – o rancho contava com uma estrutura tão gigantesca que tinha um aeroporto particular – percebe que sua posição está ameaçada quanto seu mestre prefere a companhia de pessoas ‘influentes e ricas’ de Hollywood que o cubram de riquezas e joias que incluía Rolex cravejado de diamantes.
Em 1984, Sheela abandona o rancho num voo, após um acúmulo de estratégias equivocadas. Algumas tentativas contava com o apoio de uma equipe de advogados rajneeshys que examinavam as leis e como poderiam favorecer os interesses do grupo. Enquanto outras eram atividades criminosas, tais como: tentativa de assassinado do promotor público, acusação de intoxicação alimentar de restaurantes público na cidade vizinha, fraude eleitoral e migratória, sonegação de impostos entre outras contravenções.
Ao chegar na Alemanha, descobre se tornou persona-no-grata no Rajneeshpuram. O próprio Bhagwan/Osho interrompeu seu silêncio numa coletiva de impressa no salão principal do rancho lotado pelos seguidores para dizer que: Sheela havia enlouquecido de paixão e ciúmes – enfatizou que nunca tiveram relações sexuais – e para responsabilizá-la integralmente pelos crimes acima citados. Este discurso despertou a atenção do FBI, que passou a suspeitar que ele fosse o mandante dos crimes.
Sheela também se tornou uma celebridade ao ser disputada pelos veículos de comunicação do mundo inteiro para revelar os bastidores do poder. Ela é a mulher que rompe o silêncio, o que foi chamado como “A imperatriz contra-ataca” (trocadilho com título do filme Star Wars de 1984).
Este rompimento (contenta, racha, treta, embrolho, aperreio, etc...) teve inúmeras consequências, a principal foi o fechamento do rancho. Os moradores mais antigos fizeram uma comemoração nas ruas, restabelecendo o nome original da cidade que ganhou uma estátua de um Antílope e com uma placa com a seguinte frase:
“Tudo que o mal precisa para triunfar é que os homens bons não façam nada.” Edmund Burke
Quer saber como tudo terminou? O documentário Wild Wild Country continua disponível no catálogo da Netflix, assim como o recém lançando ‘Em busca de Sheela’ (2021), que retrata sua vida nos dias atuais.
João Teixeira de Faria, inicia sua carreira andando de cidade em cidade promovendo a cura aos enfermos através de ‘operações espirituais’. Sempre se dizendo católico, era ‘perseguido’ por ser acusado de prática de charlatanismo e curandeirismo – artigo 283 do código penal – por delegados, promotores e pelo Padre Quevedo numa entrevista para TV em 1978.
No início dos anos 1980, ele deseja estabelecer numa cidade pequena no interior de Goiás, Abadiânia (6.000 habitantes a época) cuja renda era essencialmente agrícola.
Em vez de comprar terras ou disputas com os moradores, João negociou direto com o Prefeito da região a época – hoje um dos seus homens de confiança. A promessa é que com sua presença e seus feitos, haveria um considerável aumento de renda com o conhecido “turismo religioso”, semelhantes a diversas cidades em nosso país.
Diferente da comunidade no Oregon, a Casa Inácio de Loyola não enfrentou resistência dos moradores. De um lado João Teixeira atraia multidões através dos seus ‘feitos’, tinha livre trânsito com políticos de altos cargos em Brasília, assim como Juízes da Alta Corte. Enquanto do outro lado, acontecia na cidade uma espécie de milicia. As pessoas com negócios – que poderia ser um ponto de taxi até uma pousada – tinha que pagar uma taxa de funcionamento para o Sr. João e adquirir produtos e serviços somente dos fornecedores indicados.
Você pode se perguntar, como as pessoas aceitavam isto, dado que somente o Estado por recolher tributos. Era recomendado a moradores e forasteiros não questionar João Teixeira, isto poderia ter consequências amargas ou fatais.
No início do documentário, um dos voluntários da casa diz ter testemunhado muitos momentos de “forte presença espiritual”, porém era “impossível ignorar que algumas coisas estranhas aconteciam”. Enquanto o ex-prefeito e dono de pousada disse: “temos que separar o homem que é falho, do médium que recebia as entidades e realizava milagres”.
No início dos anos 2.000 a fama atravessou os oceanos. Não demorou para vários estrangeiros ricos e/ou famosos irem em busca de curam a Abadiânia, incluindo a apresentadora americana Oprah Winfrey que foi fazer uma reportagem para seu programa.
Uma pessoa que não desejava ter sua identidade revelada, pagou uma fortuna, para que João Teixeira e sua equipe fossem para Europa. A experiência abre a possibilidade de expandir seus domínios com excursões internacionais e possíveis aberturas de “casas” no Estados Unidos e Europa.
Zahira Lieneke Mous, nasceu na Holanda e foi a Abadiânia em 2014 para encontrar-se com a sua espiritualidade. Parte da sua família residia em Minas Gerais, por isto conhecia o Brasil desde 2000. Quando uma pessoa próxima disse ter uma experiência muito boa na Casa Inácio de Loyola, se encorajou e foi em sua busca.
Em sua primeira visita, o convite foi feito e ela passaria a frequentar o local para ser treinada como médium. Ela estava buscando uma cura para seu trauma sexual, quando finalmente teve o encontro a sós com João para sua cura, o que encontrou foi dor e sofrimento.
Após quatro anos em negação e buscando livrar-se do fardo ela e a mulher que rompe o silêncio. Porque ela entendeu que havia um sistema que permitia que coisas como as que aconteceu com ela continuasse a acontecer. Ainda está disponível no site Globo.com e seu depoimento sobre seu abuso. Inicialmente feito no Facebook em março, um dos possíveis motivos que fizeram Pedro Bial substituir uma entrevista com o próprio João Teixeira pelo seu corajoso depoimento em dezembro de 2018.
Outras brasileiras se identificaram com seu relato e o número superou 400 que foram as delegacias de todo país fazer seus depoimentos. Este é o ponto alto do documentário, todo acompanhamento pós denuncias e o desenrolar da história até o final de março 2020, início da pandemia de Covid. Diferente do documentário do Osho, haverá muito ainda a ser contado desta história, quem sabe até uma possível segunda temporada.
Como o Carcará é um blog de notícias, a última atualização do caso antes do fechamento deste texto é de 26/08/2021, no qual João Teixeira de Faria e reconduzido pela da Justiça para reclusão para comprimento da pena em presidio, pois fora alegado que poderia ameaçar outras mulheres por telefone caso mantem-se em prisão domiciliar.
Caso seja vítima de algum tipo de abuso, lembre-se da frase do início deste texto. Aproveito para reiterar o convite a nossa live do tema que deve ocorrer no dia 22/09 às 19h00 no Instagram do Carcará.

Psicóloga Masilvia Diniz
@psicomasilviadiniz
Clínica da Ansiedade e Depressão - CRP-06/89266
Atendimento Online para Brasileiros que vivem no Mundo.
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